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Um paciente recebe sua dose diária de metadona por uma enfermeira em 4 de outubro de 2017, em Lisboa, Portugal. (Horacio Villalobos / Corbis via Getty Images)

Políticas de descriminalização de drogas funcionam — com um sistema público de qualidade

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Tradução
Sofia Schurig

Os críticos da descriminalização das drogas apontaram para o aumento das taxas de overdose para argumentar que a descriminalização não funciona. Na verdade, essas políticas são eficazes – quando combinadas com um forte apoio do Estado para tratamento de dependência.

Uma das principais pautas durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2020, tanto em estados conservadores quanto liberais, foi a descriminalização das drogas. Com até mesmo muitos Republicanos aderindo à descriminalização, parecia que a “guerra às drogas” poderia em breve ser relegada ao caixote do lixo da história. A mais abrangente das iniciativas de 2020 foi a Medida 110, que descriminalizou a posse pessoal de todas as drogas. O principal precedente para a ambiciosa lei foi a política semelhante de Portugal, aprovada vinte anos antes.

Esses experimentos de descriminalização das drogas estão coincidindo com uma terceira onda da epidemia de opioides impulsionada pelo fentanil, e os conservadores estão citando essas mortes crescentes por overdose para pedir um retorno à guerra contra as drogas. Mas um olhar mais atento às experiências no Oregon e em Portugal mostra que a descriminalização não é a culpada: o verdadeiro problema é a falta de apoio estatal para a recuperação da dependência.

Reportagens recentes do New York Times e do Washington Post descreveram sérios problemas com overdoses e uso público de drogas tanto no Oregon quanto em Portugal. Isso levou conservadores como Bret Stephens a criticar “O desastre da descriminalização das drogas duras“. Stephens recorre a relatos de outra reportagem do Times, descrevendo uma mulher do Oregon que “desvia de agulhas, vidro quebrado e fezes humanas” para chegar ao trabalho e que uma vez testemunhou outra mulher realizando “sexo oral em um homem às 11h30 da manhã” em um beco.

Anedotas sobre boquete público (que, de fato, ainda são ilegais no Oregon) não são prova de nada, mas Stephens também cita dados que mostram um aumento nas mortes por overdose de opioides no Oregon nos últimos anos.

Os dados, no entanto, também não sustentam sua narrativa. É verdade que as mortes por overdose aumentaram significativamente no Oregon desde a medida de 2020, mas os dados de overdose do estado de 2019 a 2021 mostram um aumento idêntico ao de seu vizinho, o estado de Washington, onde as drogas ainda são criminalizadas — e 2022 mostra um aumento muito mais acentuado em Washington do que no Oregon.

A descriminalização no estado aconteceu em meio a um aumento horrível nas mortes por overdose em todo o país, impulsionado pela disseminação do fentanil e pela pandemia de COVID-19. Desde 2016, as mortes por overdose de fentanil aumentaram 279% em todo o país, e 2022 foi um ano recorde, com 109.680 pessoas morrendo de drogas, a grande maioria de fentanil.

Por trás das estatísticas

Há um desastre de overdose no Oregon e em todo o país, e é uma crise humanitária inaceitável. Não só é uma atrocidade em si, mas a resposta política à epidemia de overdose pode acabar revertendo a descriminalização. É fácil ridicularizar Stephens, mas ele não é o único a mirar em políticas de descriminalização.

Nem mesmo três anos depois que a medida de descriminalização do Oregon foi aprovada com 58% dos votos, uma porcentagem ainda maior de habitantes do Oregon — 63% — apoia a criminalização do porte de drogas novamente.

A Medida 110 do Oregon foi de fato um fracasso, mas não porque descriminalizou as drogas. Seu fracasso reside em um sistema de tratamento e recuperação de dependência subfinanciado e inadequado. Mesmo antes da Medida 110, o estado tinha a segunda maior taxa de dependência do país e ocupava o último lugar no acesso a serviços de tratamento de dependência. Embora a norma tenha prometido financiar a recuperação e melhorar a situação, esse financiamento foi lamentavelmente insuficiente.

Depois de obstáculos burocráticos e atrasos, algum financiamento finalmente foi para apoiar serviços de redução de danos, como agulhas limpas e tiras de teste, bem como apoio e abrigo entre pares. No entanto, o tratamento da dependência residencial fica muito para trás. Os pacientes do Medicaid esperam meses por um leito de tratamento, então aqueles que saem do hospital são jogados de volta ao mundo sem acesso a serviços de internação e apenas acesso limitado aos ambulatoriais — uma receita clara para a recaída.

No ano passado, o estado tinha menos de trinta leitos de tratamento residencial para jovens que aceitavam o Medicaid [programa de saúde social dos EUA para famílias e indivíduos de baixa renda]. Mas se os viciados não puderem obter ajuda no momento em que estão prontos, eles podem estar mortos ou não estão mais prontos para o tratamento quando ele chegar.

“Conversei com uma mulher outro dia que está morando em seu carro, e ela estava soluçando e chorando e tão desesperada por tratamento”, disse Solara Salazar, diretora do Centro de Tratamento Cielo, ao New York Times.

Estou tentando dar a ela alguma esperança e digo: “Continue tentando e você vai conseguir”, mas sei que isso é mentira. Ela não está grávida, então não atende à meta para um leito imediato. E eu vou dizer a ela que ela tem que ligar todos os dias por quatro meses e então talvez ela consiga uma cama?

Stephens descarta aqueles que culpam o mau financiamento do tratamento pelo “desastre”. Pelo contrário, diz, o vício é um “estilo de vida” cujos adeptos recusam ajuda. Mas aqueles que, como Salazar, trabalham no tratamento da toxicodependência, rejeitam a ideia de que os toxicodependentes não querem ajuda.

A falta de tratamento disponível e os tempos de espera de meses que os viciados enfrentam vão contra a alegação de que o financiamento do tratamento não importa porque os viciados não querem. Embora ele cite dados que mostram que a maioria dos viciados no Oregon não procura tratamento, é provável que muitos não estejam tentando obter tratamento justamente porque já sabem que o sistema de tratamento é inadequado e improvável de ajudá-los.

O exemplo de Portugal é ainda mais claro. Desde que a política de descriminalização de Portugal começou, em 2001, temos muitos mais anos de dados para perceber os seus efeitos.

Para declarar a política um desastre, Stephens cita um aumento no percentual de adultos que usam drogas: de 7,8% em 2001, quando a política começou, para 12,8% em 2022. No entanto, o artigo de onde veio a estatística também nota que o consumo de droga português em 2022 ainda estava abaixo das médias europeias. Além disso, o consumo global de droga não é uma estatística muito significativa, dado que a esmagadora maioria dos consumidores de droga participa sem se tornar toxicodependente.

Mais significativamente, Stephens cita um aumento de overdoses em Lisboa nos últimos quatro anos e um declínio nas pessoas que obtêm tratamento desde 2015. Dado que a política começou em 2001, por que Stephens só cita overdoses desde 2019 e taxas de tratamento desde 2015? Você provavelmente poderia adivinhar: as estatísticas de 2001 a 2015 refutam toda a sua narrativa.

Quando a política foi aprovada, houve alertas generalizados de uma catástrofe total. Pelo contrário, “as novas infeções por VIH, as mortes por droga e a população prisional caíram drasticamente na primeira década”. Um relatório de 2007 afirmava que “embora a toxicodependência, o consumo e as patologias associadas continuem a disparar em muitos Estados da UE, esses problemas — em praticamente todas as categorias relevantes — foram contidos ou melhorados de forma mensurável em Portugal desde 2001”.

O relatório conclui: “Os dados mostram que, a julgar por praticamente todas as métricas, o quadro de despenalização português tem sido um sucesso retumbante”. Mesmo os opositores da descriminalização tiveram que admitir que ela funcionou, e ninguém – nem mesmo os partidos de direita – propôs abertamente reverter a política.

Os efeitos da austeridade

Embora os dados atuais mostrem que Portugal continua muito melhor do que o resto da Europa e dos Estados Unidos, Stephens tem razão quando diz que a situação piorou nos últimos anos. A última década viu um aumento nas mortes por drogas, em forte contraste com o “sucesso retumbante” dos anos 2000.

Porém, a política, antes intocável, atualmente está sendo reexaminada. Um dos culpados pela deterioração desde 2020 é a pandemia de COVID, que viu um aumento acentuado nas mortes por drogas em todo o mundo. Mas a regressão em Portugal começou anos antes. Então, o que mudou? A descriminalização parou de funcionar de repente depois de uma década?

Sem surpresa, a situação passou de melhorar para piorar logo depois que os programas de austeridade neoliberal cortaram o financiamento do tratamento e contrataram serviços anteriormente estatais para organizações não governamentais (ONGs) privadas.

A lei de descriminalização de Portugal, de 2001, que teve tanto sucesso, fez mais do que descriminalizar o porte de drogas. Também estabeleceu programas robustos de redução de danos, bem como de tratamento e recuperação. Aqueles em dependência ativa podem obter parafernália limpa e supervisão médica, bem como metadona, que facilita a abstinência de opioides.

Aqueles flagrados com drogas são encaminhados para comissões de dissuasão, que determinam se o usuário é viciado e, em caso afirmativo, recomendam programas de tratamento. Se o dependente optar voluntariamente por frequentar o tratamento, a comissão reserva para ele, e ele pode comparecer gratuitamente.

Após os programas de tratamento residencial, os viciados em recuperação recebem apoio do governo, incluindo empréstimos para iniciar cooperativas de trabalhadores. Portugal tratou a dependência como uma questão de saúde e não como uma questão criminal e, ao contrário dos Estados Unidos, tratou a saúde como um direito.

Em meio a uma crise econômica, cortes orçamentários e terceirização destruíram o mundialmente famoso sistema de tratamento de drogas de Portugal. Em 2012, “Portugal descentralizou a sua operação de supervisão de drogas”, uma vez que “uma queda de financiamento de 76 milhões de euros para 16 milhões de euros obrigou a principal instituição portuguesa a externalizar o trabalho anteriormente feito pelo Estado a grupos sem fins lucrativos”. Ao mesmo tempo, o Instituto da Droga e da Toxicodependência do país foi dissolvido e absorvido pelo Serviço Nacional de Saúde, que simultaneamente teve o seu próprio orçamento cortado em 10 por cento.

O resultado: esperas de um ano por tratamento de reabilitação financiado pelo Estado e um número drasticamente decrescente de pessoas tratadas. Culpando o desinvestimento do Governo, João Goulão — czar das drogas em Portugal desde 2005 e arquitecto da política de descriminalização — disse: “O que temos hoje já não serve de exemplo a ninguém”.

Falando há quase uma década, um membro da comissão de dissuasão disse: “Se a pessoa aparecer às dez horas da manhã, podemos agendar para uma hora da tarde na unidade de tratamento para que ela inicie a análise”. Com os tempos de espera para tratamento em Portugal a passarem de quatro horas antes do início dos efeitos da austeridade para um ano inteiro, é algum mistério que as estatísticas da droga em Portugal têm vindo a piorar?

Uma abordagem de esquerda para a descriminalização

À revista libertária Reason, Jacob Sullum defendeu os esforços de descriminalização do Oregon e de Portugal contra os ataques de Stephens, ao mesmo tempo que pediu a legalização total. Mas a Reason ignora o verdadeiro culpado por trás dos problemas de drogas no Oregon, em Portugal e em todos os lugares: um sistema de tratamento e recuperação subfinanciado e privatizado.

Enquanto conservadores guerreiros das drogas como Stephens querem resolver o vício trancando viciados em gaiolas, os libertários deixariam viciados morrerem na rua sem acesso a tratamento. Ambas as abordagens são uma afronta à dignidade humana.

Precisamos de uma alternativa de esquerda à política de drogas que funcione ao lado da descriminalização: tratamento robusto fornecido pelo Estado em cada passo do caminho, juntamente com uma rede de segurança social que dê às pessoas a estabilidade que pode ajudar a impedi-las de recair ou de se tornarem viciadas em primeiro lugar.

Se o movimento de descriminalização não exigir isso, é mais provável que fracasse, e podemos muito bem ver a guerra infrutífera e destrutiva contra as drogas retornar como resultado.

O objetivo de parar o grotesco e crescente número de mortes por overdose em nosso país exige que forneçamos tratamento gratuito e imediatamente disponível e uma rede de segurança social para todos. Qualquer coisa a menos é uma violação bárbara dos direitos humanos.

Sobre os autores

Jordan Bollag

é um escritor político freelance.

Cierre

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Published in América do Norte, Austeridade, Ciência, Europa, Humanos and Notícia

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